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Na tarde desta quinta-feira (21), o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas – tese que prevê que a cessão das áreas em favor dos indígenas só valeria para terras que já estivessem habitadas pelas tribos na data da promulgação da Constituição de 1988.
A retomada do julgamento nesta quinta iniciou com o voto do ministro Luiz Fux, que acompanhou o voto do relator do caso, ministro Edson Fachin, contra o marco temporal. Em seguida, a ministra Cármen Lúcia também acompanhou o entendimento do relator. Também votaram nesta tarde o ministro Gilmar Mendes e a presidente da Corte, ministra Rosa Weber.
O placar final ficou em 9 votos contrários ao marco temporal, e 2 votos favoráveis. A sessão foi encerrada e na próxima semana os ministros vão discutir a tese, que terá repercussão geral sobre o tema. Em seu voto, Fachin alegou que muitas tribos não têm meios de comprovar que estavam, em 1988, nas terras que pleiteiam e das quais teriam sido expulsas posteriormente.
Em sessão anterior, o ministro Alexandre de Moraes também havia acompanhado o relator, porém com ressalvas. A tese de Moraes, que tende a sair vitoriosa até o final do julgamento, prevê a possibilidade de um pagamento de indenização, por parte da União, a produtores rurais ou outros proprietários que estejam ocupando áreas de territórios indígenas para que seja cumprida a demarcação.
Os ministros que se posicionaram contrários ao marco temporal foram Fachin, Moraes, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Já os que se manifestaram favoráveis à medida foram Nunes Marques, que havia aberto divergência do voto do relator, e André Mendonça.
Na prática, a decisão do Supremo permite que áreas em que tribos indígenas não comprovem que já residiam antes de 1988 – terras que podem ter sido invadidas pelas tribos, por exemplo – possam ser considerados de propriedade das etnias. A medida é alvo de intensas críticas sobretudo vindas de produtores rurais, que temem que a decisão do Supremo motive uma enxurrada de invasões ilegítimas e pedidos de revisão de ações já julgadas no passado.
Pagamento de indenização por demarcação de terras é questionada pelo governo Lula
No dia 28 de agosto, dias antes do STF dar início ao julgamento, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu à Corte que não seja obrigado a pagar indenizações prévias a donos de propriedades que podem ter, no futuro, terras confiscadas por conta da demarcação após a votação do marco temporal indígena.
Em documento da Advocacia-Geral da União (AGU) enviado ao STF e que a Gazeta do Povo teve acesso, a procuradora-geral federal Adriana Maia Venturini afirma que a indenização obrigatória pode atrasar e até mesmo impedir demarcações futuras, afetando diretamente os cofres públicos.
“A tese da indenização prévia condiciona o exercício da posse pelos povos indígenas a um gasto incalculável, em um ambiente de severas restrições de recursos no orçamento da União”, disse no documento. Adriana afirmou, ainda, que a proposta gera “mais insegurança jurídica, ao trazer risco para demarcações já concluídas, colocando em xeque situações jurídicas já consolidadas”.
Congresso deve manter tramitação de PL favorável ao marco temporal
Um projeto de lei que impõe o marco temporal para a demarcação de terras indígenas tem avançado no Congresso Nacional, apoiado pela oposição ao governo Lula e principalmente pela bancada do agronegócio. A proposta foi aprovada em maio pela Câmara dos Deputados e, no final de agosto, pela Comissão de Agricultura do Senado.
Nesta quarta (20), mesma data em que o STF retomou o julgamento, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado agendou a apreciação do projeto de lei. A análise, entretanto, foi adiada para a próxima semana por manobra de senadores da base do governo Lula.
O texto estabelece o dia 5 de outubro de 1988 como limite para a demarcação das terras. Entre os pontos aprovados, o projeto de lei prevê que os ocupantes não indígenas teriam direito à indenização pelas benfeitorias de boa-fé, assim entendidas aquelas erguidas na área até a conclusão do procedimento demarcatório. Além disso, caberia indenização pela terra que for considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena nos casos em que, por erro do Estado, os ocupantes detiverem título de propriedade ou de posse.
Na avaliação do professor de Direito Constitucional e procurador do Ministério Público Federal André Borges Uliano, a decisão do STF não impede que o tema continue sendo debatido no Congresso. Para corroborar, o jurista menciona o segundo parágrafo do artigo 102 da Constituição Federal, que destaca que “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".
“Perceba que a decisão do STF vincula os ‘demais órgãos do Poder Judiciário’ – ou seja, todos menos o STF – que pode mudar sua posição mais tarde – e a administração pública, mas não vincula o Poder Legislativo. A jurisprudência é pacífica e remansosa nesse sentido”, diz Uliano.
O jurista, entretanto, avalia que pode haver um efeito de arrefecimento nos ânimos dos parlamentares para fazer avançar a proposta frente à decisão do Supremo.